Dessa vez não falarei de amor como das outras vezes, nem vou falar da beleza dela ou quantificar algum sentimento. O sucedido se passou no ano de dois mil e tantas, em um dia frio e seco de inverno, e eu olhava distraído pro céu, escorado no carro de alguem que eu não conhecia, contando as estrelas e pedindo pra'quela nuvem parar de encher o saco.
- O céu fica lindo no inverno, né?!
Alguma estranha perguntou do meu lado e eu pulei meio sobressaltado por pensar que se tratava da dona do carro.
- Costuma ser quando não há nuvens - respondi meio lá meio cá do meu universo particular.
Ela sorriu e encostou no carro também. Mais tranquilo voltei às minhas devagarções e à discussão com a nuvem que ainda teimava em esconder libra. Ouvi ela se mexendo mas nem me virei.
- O show lá dentro acabou... anima de ir pra algum outro lugar?
- Tem um mirante legal perto da cidade...
E bem... o carro era mesmo dela.
A gente foi andando e conversando sobre coisas sem sentido ou que já tinha sentido, ou sobre qualquer coisa, mas parecia que a gente já se conhecia. Certa hora me lembrei que não sabia o nome dela.
- Como você se chama?
- Olha, a gente chegou!
De lá se via toda a cidade, com estrelas no céu e na terra, e eu me esqueci daquela história de nome. Sentamos numa arvore velha caída e ela me beijou. De cara a gente pensa assim: "esse tipo de coisa só acontece em filme", e realmente era o que eu pensava até ali. E a partir de então comecei a sentir uma coisa estranha no corpo, nunca tinha sentido antes.
E todo o céu rodou, e vimos despontar do horizonte, ora a lua, depois vênus e o sol, e conversávamos sobre destino, história grega e marcianos. Meia hora depois que o sol nasceu ela me deixou em casa e eu fui dormir.
No outro dia me lembrei que não tinha pego o telefone, o endereço e nem a placa do carro daquela garota. Fui então pra escola na segunda, e na terça, e no resto da semana. Comecei a sentir no peito o que depois vim a descobrir que chamavam de saudade, e tambem comecei a ter um imenso desejo de sentir o que eu sentira por alguém, que não sabia sequer o nome, naquela noite.
Busquei encontrá-la em algum lugar, ou encontrar talvez o sentimento que vem amarrado com meia hora de conversa e alguns beijos, mas nunca adiantou muita coisa não. E essa história começa a parecer aqueles romancezinhos chatos, e histórias de amor platônico, e essa conversa toda, e talvez seria, se não fosse o acontecido naquela fatídica tarde de quinta, que eu voltava na escalada e vi o acidente de um carro e um caminhão. A violência foi tão grande que os dois homens que estavam na frente morreram na hora, a mulher do banco de trás, cuja eu corri para tentar ajudar, estava em estado grave, mas momentaneamente consciente.
- Eu sabia que não morreria sem te ver... Ainda há tanta coisa que eu queria viver - Disse sorrindo e me abraçando.
Eu sabia que ela não morreria, ou pelo menos era isso que eu mais desejava. Limpei as lágrimas dos olhos pra tentar ler seu nome na carteira de identidade, ver se achava algum endereço ou telefone de conhecido, ela só tinha um cartão de crédito escrito seu nome - Amanda - e um bilhetinho escrito por alguma amiga. Liguei pro socorro e tentei ajudar com alguma coisa que eu sabia. Os dois da frente tinham morrido mesmo, e o dono do caminhão tinha ficado ferido e resmungava alguma coisa que eu não conseguia ouvir.
O socorro chegou e com eles eu fui por ser a única pessoa que parecia conhecê-la.
Escrevo agora do hospital, onde tenho passado os últimos três dias olhando pra ela e tentando entender o que se passa, o que está acontecendo. Meu telefone tem uns três milhões de chamadas não atendidas e alguns policiais conversam com um médico do lado de fora.
Por um momento pensei que estavam a minha procura, pela preocupação da minha família, mas depois descobri que na hora do acidente, estava acontecendo um sequestro, e levavam Amanda sabe-se lá para onde quando ela viu o caminhão e puxou o sequestrador que estava no volante. O que os médicos até então não tinham me dito é que ela tinha tomado um tiro que perfurara o pulmão e ainda batera a cabeça com força por estar sem cinto.
Com mais lágrimas nos olhos olho para o leito e vejo aquela face pálida de quem eu mal conhecia, mas sabia que tinha que conhecer. Mas foi com um sorriso que eu vi seus olhos se abrindo, aos poucos se refazendo. Tirava os tubos lentamente, olhando para todos ao redor com espanto.
- O que está acontecendo? - Parou. Revirou os olhos, fechou-os. Franziu o cenho, olhou para mim - Como é meu nome?
domingo, 28 de novembro de 2010
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